Artigo em revista já levou Bolsonaro à prisão em 1986; entenda


Preso em regime domiciliar desde a última segunda-feira (4) por “reiterado descumprimento das medidas cautelares” aplicadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), essa não é a primeira vez que o ex-presidente Jair Bolsonaro é detido.

Antes mesmo de entrar para o mundo da política, quando ainda era paraquedista do Exército, Bolsonaro ficou preso por 15 dias em um quartel no Rio de Janeiro em 1986.

Aos 31 anos de idade, ele foi punido por “ter ferido a ética, gerando clima de inquietação na organização militar”.

O motivo foi um artigo publicado na revista Veja, pedindo aumento salarial para a tropa. O título da publicação assinada pelo então capitão foi: “O salário está baixo”.

No texto ele argumentava que a maioria dos cadetes deixou o Exército devido “à crise financeira” que atingia “as massas dos oficiais e os sargentos do Exército brasileiro”.

Para ele, existia, no momento, uma “crise de falta de perspectiva funcional” na instituição.

“A situação é dramática. Os oficiais estão abandonando o Exército. (…) É hora de parar. Chega de cortes, chega de justificativas econômicas. Não se admite mais que um profissional que passou por uma rígida formação e que corre o risco de perder a vida em defesa da Pátria seja tratado com tamanho descaso. O Exército é uma instituição nacional e sua crise reflete-se diretamente na formação da juventude, na moral dos quartéis e na autoestima do cidadão brasileiro. Urge, pois, que o governo federal olhe com respeito para seus militares. Um Exército desprestigiado é um país vulnerável. E o Brasil, com sua dimensão continental, não pode ser um país vulnerável”, escreveu.

Ali surgia, então, um slogan que passou a ser usado por Bolsonaro até alcançar a cadeira da Presidência em 2019: “Brasil acima de tudo”.

“Corro o risco de ver minha carreira de devoto militar seriamente ameaçada, mas a imposição da crise e da falta de perspectiva que enfrentamos é maior. Sou um cidadão brasileiro cumpridor dos meus deveres, patriota e portador de uma excelente folha de serviços. Apesar disso, não consigo sonhar com as necessidades mínimas que uma pessoa do meu nível cultural e social poderia almejar. Amo o Brasil e não sofro de nenhum desvio vocacional. Brasil acima de tudo”, concluiu.

O artigo publicado na revista rendeu a Bolsonaro a punição disciplinar de 15 dias de prisão em um quartel, em setembro de 1986.

Um ano depois, em outubro de 1987, o então capitão voltou a ter problemas com a Justiça.

Dessa vez, a revista Veja publicou uma reportagem com a denúncia de que ele e um outro oficial tinham elaborado um plano para explodir bombas-relógios em unidades militares da cidade carioca.

O caso foi levado ao STM (Superior Tribunal Militar), que absolveu Jair Bolsonaro por 8 votos a 3, em 1988, ao entender que não havia provas suficientes de que ele havia planejado o suposto atentado.

Com a decisão, Bolsonaro não foi expulso do Exército e, naquele mesmo ano, deu início à sua carreira política. Ele se candidatou à Câmara Municipal do Rio de Janeiro e foi eleito vereador pelo Partido Democrata Cristão (PDC).

Assim como nos tempos atuais, 39 anos atrás, a detenção de Bolsonaro incomodou. A situação gerou uma mobilização dentro do Exército.

Segundo um painel publicado pela Folha naquele mesmo ano, a punição imposta ao capitão “estabeleceu entre seus colegas de farda uma cadeia de solidariedade” que preocupou o pessoal de Brasília.

“Ontem, por exemplo, foi necessária muita habilidade para impedir que circulasse, no Rio, um manifesto assinado por outros trezentos capitães do Exército. Também não foi fácil demover as mulheres de oficiais subalternos de promoverem uma passeata pelo interior da vila militar”, diz o texto publicado pelo jornal na época.

De acordo com uma matéria da Folha de São Paulo, datada de alguns anos depois, em 2017, Bolsonaro admitiu, em 1987, ter cometido atos de indisciplina e deslealdade com os seus superiores do Exército, de acordo com documentos obtidos no STM (Superior Tribunal Militar).

Início na carreira política

Especialistas ouvidos pela CNN avaliam que a detenção de Bolsonaro em 86 foi “determinante” para o seu ingresso na vida política posteriormente.

“À medida em que ele fez um acordo para deixar as Forças Armadas, ele acabou buscando a representação exatamente dos interesses militares dentro da política”, avalia Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.

“Ele avaliou que era um momento onde ele conseguiria algum tipo de apoio. Então, eu acho que tem todo o contexto dessa quase saída forçada dele, da carreira militar para a política, no meio em que ele está, justamente, pleiteando algum tipo de benefício para os militares”, complementa Leonardo Paz Neves, pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da FGV.

“Brasil acima de tudo”

O slogan que antes era utilizado pelo capitão do Exército, hoje estampa pôsteres e cartazes na Avenida Paulista e em protestos nas principais avenidas do Brasil, a partir do que, agora, chamamos de “bolsonaristas”.

No entender de Leonardo Paz Neves, a diferença agora é que a frase está mais “vinculada a uma questão ideológica”.

“Os militares, você vê que o cotidiano deles é formado por esses bordões, eles falam esses bordões o tempo todo. Então, esse ‘Brasil acima de tudo’, naquele contexto, acho que é uma coisa um pouco desse cotidiano de comunicação deles. (…) Mais recente, a ideia de você começar a dizer ‘Brasil acima de tudo’, está vinculada com a questão ideológica”, diz.

“Ele exerce o mesmo papel nos dois momentos, quer dizer, ele está apelando para um sentimento que é muito claro dentro das Forças Armadas, de colocar o nacionalismo como mola mestra das demandas, seja demandas setoriais, sejam demandas mais amplas da sociedade, mas é sempre usando o nacionalismo como mola mestra”, argumenta Consentino.

Prisão domiciliar

Na última segunda-feira (4), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes determinou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro.

O motivo, de acordo com o magistrado, é o “reiterado descumprimento das medidas cautelares” que já tinham sido impostas, no dia que o ex-presidente precisou colocar uma tornozeleira eletrônica.

A determinação ocorreu um dia após os aliados e apoiadores de Bolsonaro realizarem manifestações nas principais capitais do país. Em algumas delas, o ex-presidente participou, por meio de chamada de vídeo.

O momento dessas ligações foi compartilhado em redes sociais de alguns parlamentares como a do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o que, de acordo com Moraes, burla à medida que proibia o ex-presidente de utilizar mídias digitais, mesmo que por meio de terceiros.

Logo após o ocorrido, a defesa de Bolsonaro disse ter ficado surpresa com a prisão domiciliar, alegando que ele “seguiu rigorosamente” o que estava previsto em medidas cautelares e recorreu, na última quarta-feira (6), contra a determinação de Moraes.



Fonte: CNN Brasil

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